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A Subjetividade Artificial
Gozai por nós
( Da
Inteligência Artificial a Subjetividade Artificial )
Alfredo Simonetti
Se lhe fosse dado o poder de criar uma nova emoção para
ajudar o ser humano a enfrentar a vida atual qual emoção você inventaria?
Talvez você esteja pensando que emoção não é coisa que se invente assim por
querer, pois bem, não é mesmo. O repertorio de emoções que o homem dispõe em
seu aparato psíquico, a raiva, o medo, o amor, a alegria, o desejo, a
tristeza, e outras mais, foi inventado pela evolução ao longo de milhares de
anos e é o mesmo há muito, muito tempo. Pelo menos nos últimos seis mil anos
de historia não surgiram nenhuma emoção nova. Não estou falando das situações
e objetos que despertam as emoções, pois estas mudam a toda hora, com cada
época criando circunstancias inusitadas; estou falando que as emoções que o
homem dispõe para lidar com estas novidades do mundo tem sido as mesmas há
milênios. Mas será que a vida interior do homo
sapiens, que não foi modificada em nada até aqui, esta prestes a ser
alterada pelo poder magnífico das novas tecnologias? Será que os
computadores, a virtualidade, a engenharia genética, a robótica, a química
fina, e outras pós-modernidades serão capazes de fazer surgir uma vida
interior diferente da que experienciamos atualmente? Que estamos vivendo novos comportamentos e novas práticas sociais
não há dúvidas, mas será que também estamos vivendo uma nova subjetividade,
uma subjetividade artificial?
No inicio a tecnologia construiu maquinas para substituir
nossos músculos, em seguida criou equipamentos para substituir nossos
sentidos, depois fez o computador para substituir nossa inteligência, e agora
esta prestes a inventar alguma coisa que substitua nossa subjetividade. Este
próximo passo da tecnologia esta nos levando da inteligência artificial para
a subjetividade artificial Com esta expressão, “subjetividade artificial”, queremos
designar a subjetividade humana modulada por algum dispositivo tecnológico.
Um inventor magnífico criou, há mais ou menos setenta mil
anos, uma espécie animal dotada da incrível capacidade de construir maquina
que ampliam, aperfeiçoam e substituem suas próprias capacidades e
habilidades. A primeira ferramenta que o homo
sapiens inventou foi provavelmente um galho de árvore para cutucar a
terra no lugar de nossos dedos e unhas e também para derrubar frutas, matar
pequenos animais e lutar com seus semelhantes. Depois fez de pedra lascada um
substituto para seus dentes e garras, e passando pela roda para substituir
seus passos, controlou o fogo que pelo poder de cozinhar os alimentos
substituiu em parte o trabalho do sistema digestivo, e domesticando os
animais passou a usar a força de seus músculos no lugar dos nossos. Muito
tempo depois, num lance genial, inventou a maquina a vapor que substitui com
muitas vantagens a força de seus músculos. Esta foi à longa era da
substituição física, e em seguida veio à era da substituição cognitiva
iniciada com a escrita que substituiu a palavra falada que por sua vez já
havia substituído a Coisa-em-si. Vários equipamentos foram construídos para
substituir os órgãos sensoriais como a luneta, o estetoscópio, o microscópio,
a fotografia, o raios-X, a tomografia
computadorizada, e os meus óculos que enxergam melhor que os meus olhos. Até
ai era apenas uma substituição sensorial, permanecendo o pensamento ainda
insubstituível. Tudo bem que uma tomografia mostra o corpo do paciente para o
médico melhor que o olho dele, mas quem vai olhar a tomografia e decidir onde
é que tem tumor é o médico. Errado, os programas de computador estão ficando
hoje mais eficazes do que o olhar do médico para decidir se tem ou não tumor maligno
naquela imagem. É isto mesmo, o computador processa dados melhor que o
cérebro humano, atualmente já faz julgamentos técnicos bem mais apurados. Não
é apenas o olhar do medico que esta sendo substituídos pela ressonância
magnética, programas avançados, reunindo o resultado de milhares de trabalhos
científicos já toma decisões diagnosticas e terapêuticas mais eficientes que
os médicos humanos.
Com a inteligência artificial e suas maravilhosas maquinas
que pensam e aprendem estamos vivendo o ápice da era da substituição
cognitiva, mas ainda não temos máquinas com afetividade, com criatividade.
Pois bem, isto provavelmente esta em vias de mudar: depois da substituição
física, e da substituição cognitiva virá à substituição afetiva.
Ultrapassando a inteligência artificial vamos chegar à subjetividade
artificial.
Temos orgulho de pensar que embora já tenhamos substituído
os músculo, os órgãos do sentido, e o próprio pensamento, nada nos fará
substituir o desejo posto que seja ela nossa essência, o que nos determina.
Pois bem já existe um programa de computador que baseados nas decisões que
você tomou ao longo da vida é capaz de dizer pra você que mulher ou homem
você vai gostar. Note bem, não é a mulher ou homem mais adequado para você
conviver, é a mulher ou homem que lhe despertara tesão ou por quem você vai se apaixonar. Ele também te diz que coisas você quer
comprar, novamente não é o que é melhor comprar na sua situação, diz “o que você quer” comprar. Então é só
uma questão de tempo para você começar a perguntar para o seu celular o que
você quer fazer agora. Ele vai dizer e provavelmente vai acertar, ou seja, se
você seguir as instruções, quase do mesmo modo que você segue o caminho
indicado pelo wase, você ficara satisfeito. Estaria
o tédio então com os dias contados?
Se a tecnologia já começou a substituir a consciência do
querer qual será a próxima função humana a ter um substituto tecnológico? A
função vivencial, a capacidade de sentiras emoções, tantos as positivas
quanto às negativas, ou seja, a dor e o prazer. Mas aqui estamos chegando
mesmo no limite da nossa imaginação, pelo menos não consigo imaginar como
seria uma máquina que ficaria triste no meu lugar ou que gozaria no meu
lugar. Esta tecnologia geraria o que? Um bem estar ou um mal estar? Agora
quando morre alguém querido tem esta pequena nuvem de luz densa que me
acompanha e que basta eu encostar levemente nela para que ela passe a sentir
a tristeza por mim, e mais, no final me entrega o aprendizado existencial que
eu teria com esta experiência emocional. Quer dizer, na era da subjetividade
artificial posso aprender sem ter que viver, posso então aprender o que as
derrotas ensinam sem ter sofrido o que as derrotas provocam egoicamente?
Seria o remédio psiquiátrico com sua capacidade de modulação
afetiva uma maquina química desta espécie? Então começamos com à maquina a vapor substituindo nossa força muscular e
estamos chegando à maquina química, comprimida em pequenas pílulas nos
substituindo função afetiva? A tecnologia química destes remédios tem se
mostrado capaz não só de tratar as doenças mentais, mas também de modificar a
maneira como vivenciamos as coisas da vida criando assim a primeira situação
concreta e cotidiana de subjetividade artificial.
Vejamos outros exemplos de subjetividade artificial. Dorian
Gray
[1]
foi um nobre inglês que possuía um retrato de corpo inteiro pintado a óleo em
um grande quadro guardado no porão. O tempo passava e nada mudava em Dorian,
continuava jovem, belo e feliz sem nenhuma marca visível dos acontecimentos
da vida, e enquanto isto lá no porão o retrato envelhecia, enchia-se de rugas
e exibia as marcas das infelicidades da vida. Dorian não sofria, o retrato
fazia isto no seu lugar. Logo teremos a disposição um holograma que
desempenhe a mesma função do retrato de Dorian Gray.
Será que tudo isto vai acontecer mesmo? E se acontecer como
é que vai ser na pratica viver na era da subjetividade artificial? Não
sabemos o nosso aparato cognitivo do homo sapiens, tão eficiente até agora,
não tem meios nem para imaginar esta substituição, pois não se trata de um
objeto que ajuda o sujeito, mas um objeto que substitui o sujeito. Freud
havia falado da sombra do objeto perdido que recobria o sujeito, mas aqui se
trata de algo diferente. O nosso pensamento consciente não consegue
vislumbrar este novo cenário pela simples razão de que nele pode muito bem
não existir pensamento. Alias é por falta de imaginação para esta nova cena
que resolvi convidar alguns escritores e cientistas para a tarefa de imaginar
artisticamente e especular cientificamente
[2]
o
mundo da subjetividade artificial. Misturar arte, ficção e ciência, longe de
ser uma veleidade tem se mostrado uma necessidade metodológica quando nos
aventuramos a abordar temas no limite do conhecimento cultural e cientifico
atual.
Podemos recontar a historia do homem assim: “Faça-se a
luz”, disse o criador, “Fazei por mim” pediu o homem a suas maquinas
maravilhosas, e agora meio sem querer o homem está quase dizendo “Gozai por
mim”. Sem saber direito o que diz, pede o que nem imaginar consegue, mas pede
, anseia, deseja, e perigosamente indo além da inteligência artificial,
coloca-se a beira de uma nova era, a era da subjetividade artificial. No
começo desta história todo mundo achou que seria uma maravilha, e realmente
foi. Por muito tempo, na verdade durante milênios as coisas andaram bem e
desfrutamos muito dos substitutos, mas agora que chegamos ao ponto dos
substitutos desfrutarem por nós ficamos com essa sensação meio besta de “mas
o que é que é isto?”.
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